26.4.11

Encontrando o xamanismo siberiano - parte 6

6. Voltando a Recife


Chegamos a Recife com uma enorme energia. Meus filhos e meu marido me esperavam no aeroporto e fiquei muito feliz com nosso reencontro. Vim para casa e ainda fui para uma festa numa cidade do interior.
A crença na cura espiritual se fez presente em minha prática clínica e muito dos ensinamentos que recebi do xamanismo começaram a fazer parte da minha vida cotidiana.
Eu, Ana e Lígia organizamos um trabalho sobre o xamanismo siberiano (que segue mais à frente no texto) e apresentamos o conhecimento sagrado para toda a turma de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco, sob a coordenação de Frei Tito. Tivemos que estudar mais sobre o xamanismo e descobrimos coisas incríveis. O nosso trabalho foi um sucesso e as nossas vidas nunca mais foram as mesmas.
Promovemos uma meditação dinâmica para compartilharmos com nossos amigos o que havíamos aprendido na Sibéria.

7. Perun em Recife

Organizamo-nos para receber Perun. Ana não quis mais coordenar o trabalho e Lígia estava vivendo um momento pessoal de muitas transformações. Por isso, assumi com a ajuda de companheiras especiais – Andréa e Suzy -, toda a agenda de Perun em sua primeira vinda a Recife
Na segunda vez que veio a Recife, Perun contou com Luciene, grande amiga, para organizar sua agenda.

8. Xamanismo Siberiano – Palestra de Perun

(Palestra realizada em Recife/PE, no programa de pós-graduação de Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco. - transcrição livre)

O Xamanismo tem mais de 40.000 anos de desenvolvimento.
Um xamã é um homem que conecta o mundo das pessoas com os outros mundos; ele é um canal entre esses mundos; um poeta genial é um xamã quando transmite energia amorosa.
Antigamente, as tribos, os reis, os faraós tinham seu próprio xamã, que não tinha envolvimento social, mas sabia de tudo.
Sempre foram realizados rituais xamânicos com o objetivo de puxar a energia e manter o estado elevado dessa energia.
Um xamã poderoso tem muita energia e viaja por diversos universos, realizando pesquisas como os cientistas. Porém, existe uma diferença: ele realiza essas pesquisas através de suas percepções.
O homem comum tem um campo pequeno de percepções, pois só utiliza como recursos os seus cinco sentidos. Mas existem muito mais possibilidades. Através da intuição os xamãs podem prever eventos, pois percebem coisas além do mundo comum, sentem realidades diferentes, viajando pelo passado e pelo futuro, em diferentes mundos.
Quando um homem atinge um elevado nível de consciência, ele tem a consciência de todo o Universo.
Houve um tempo que os xamãs faziam uso de chás ou de algumas outras substâncias alucinógenas, porém eles perceberam que dessa forma não havia total controle sobre seus corpos e sobre as viagens que faziam. Hoje, as viagens xamânicas são realizadas alterando-se o estado de consciência do xamã, mas o seu corpo está sob controle e ele pode decidir aonde ir, quando (em que época) e retornar quando quiser para onde estava.
Existem diversos tipos de vida que não têm corpo físico, mas têm um elevado nível consciente de energia. Estes são os ‘espíritos’. Os espíritos podem se tornar auxiliares. Um xamã poderoso tem muitos espíritos auxiliares, que os ajudam a realizar o processo de cura.
A cura xamânica é diferente da cura realizada pela medicina, pois os médicos curam o corpo comum, no campo comum de nossa percepção. O xamã vê que as doenças de um homem, em seu corpo físico, estão relacionadas com as diferentes situações vividas, com vidas passadas, com as influências energéticas negativas.
Um xamã não pode conhecer o xamanismo apenas pelo estudo do conhecimento sagrado; ele precisa viver as experiências xamânicas.
Um homem descobre que é um xamã através da ‘crise xamânica’, que geralmente vem associada com uma doença. Ele vai percebendo que a energia dele é muito maior e, no auge da crise, lembra-se de tudo, de todo o conhecimento que já foi experienciado em todas as suas vidas.
Então, aliando sua experiência ao conhecimento sagrado, o xamã cura realizando mudanças no mundo dos homens. Eis alguns pontos que devem ser observados numa cura xamânica:
1. o xamã nunca faz nada com o seu próprio poder;
2. a cura nunca é feita com a energia do curador, pois ele é apenas um canal; se der sua energia, pode adoecer e morrer;
3. o xamã tem que ver a razão profunda da doença, pois faz uma viagem xamânica ao mundo do doente.
Somente um xamã pode curar a loucura, pois ele vai a outros mundos buscando onde está a percepção do louco e traz essa percepção para o mundo atual.
O Psicanalista também tenta sentir o mundo interior e ajudar as pessoas. Porém, ele só trabalha no mundo mental, utilizando um sistema de símbolos. O xamã talvez não use uma palavra, mas faz uma intervenção energética direta, buscando bloqueios cármicos (ciclos que se repetem na vida). A cura xamânica desfaz o nó cármico. O xamã faz isso com o poder superior e ele tem consciência de todo o processo.
Todo homem é influenciado por uma hierarquia. Tudo que um homem faz retorna para ele. Por isso, ele precisa ficar atento, percebendo sempre quais são suas verdadeiras intenções. Um homem só fica livre da lei do carma se está iluminado. Na Terra não há essa liberdade, pois somos regidos pelas forças do destino e de nosso poder pessoal. No nosso planeta existem os Mestres, que são homens que direcionam uma grande quantidade de energia.
O xamã puxa energias negativas, promovendo mudanças nas vidas das pessoas, quebrando programas de insucesso e de hábitos energeticamente fracos. Ele não procura curar apenas o corpo físico ou liberar o homem de suas dificuldades, mas tenta conectar o homem com essa força superior, harmonizando o homem com tudo que está à sua volta.
Os xamãs sabem que os homens são muito influenciados por espíritos e que nem sempre as energias desses espíritos são de luz. Há também xamãs negros que buscam poder, riqueza e usam magia negra. Porém, eles precisam ter muito cuidado, pois a energia que eles direcionam para o mundo sempre retorna para eles.
Qualquer pessoa pode começar a aprender o conhecimento xamânico. Mas para ser um forte xamã é necessário que o homem seja escolhido, às vezes até contra sua vontade. Quando ele desenvolve muitas de suas supercapacidades pode se tornar um mestre.
No começo dos tempos só os xamãs desenvolviam suas super habilidades, através de rituais mágicos, onde entravam em contato com as energias de luz e sombra. Porém, muitas religiões se tornaram rituais vazios, pois não mais buscam a iluminação, com o elevado nível de energia, mas buscam apenas o controle social.
Para o xamanismo existe uma hierarquia cósmica regida por noventa e seis leis e cada homem possui sete níveis de consciência, onde cada um desses níveis apresenta diferentes níveis de energia. O homem seria como uma sociedade de espíritos e os espíritos superiores coordenam os outros.
A cura xamânica desperta os espíritos superiores do homem.


9. Fundamentação teórica

Xamanismo Siberiano

(Trabalho apresentado na disciplina Antropologia das Religiões pelas alunas Ana Maria Lyra, Lígia Feijó e Patrícia Vasconcellos.)

O Xamanismo é um conhecimento muito antigo, com cerca de 40.000 anos, oriundo das tribos siberianas – povos tungus, que se espalhou pelo mundo. Mantém uma relação íntima com a natureza e a ancestralidade, gerando possibilidades de cura.
O antropólogo Michael Harner, em seu livro ‘O Caminho do Xamã’ (2002) nos oferece uma excelente descrição do processo de cura no xamanismo:

“O Xamanismo é uma grande aventura mental e emocional, onde tanto o paciente como o curandeiro xamã ficam envolvidos. Através de sua heróica viagem e de seus esforços, o xamã ajuda seus pacientes a transcenderem a noção normal e comum que têm acerca da realidade, inclusive a noção de si próprios como doentes. Faz sentir aos seus pacientes que eles não estão emocional e espiritualmente sozinhos em suas lutas contra a doença e a morte. Faz com que eles partilhem de seus poderes especiais, convencendo-os, em profundo nível de consciência, de que há outro ser humano desejoso de oferecer seu próprio Eu para ajudá-los. A abnegação do xamã provoca no paciente um compromisso emotivo correspondente, um senso de obrigação de lutar ao lado do xamã para se salvar. Zelo e cura caminham juntos”.

O xamã é aquele que, consegue entrar e sair dos diversos estados alterados de consciência quando quer, trazendo ensinamentos e curas para si e para os outros, com técnicas que lhes são exclusivas e a ajuda de espíritos auxiliares, ou entidades. Ele pode acessar diversas dimensões (realidade habitualmente oculta), entrar em contato com espíritos auxiliares em seus trabalhos de cura, autocura e expansão da consciência. Distingue-se de mágicos e curandeiros pelo uso que faz do estado de consciência chamado de êxtase – onde sua alma deixa o corpo e sobe ao céu ou desce ao submundo para trabalhar na cura de um paciente, restaurando a energia vital ou extraindo a energia negativa. As técnicas xamânicas são simples e eficazes, mas exigem autodisciplina e dedicação. O estado xamânico de consciência observa as percepções do estado comum de consciência como ilusórias, assim como as pessoas em seu estado comum de consciência entendem as percepções do estado xamânico de consciência como ilusórias. A vantagem do xamã é que ele transita entre esses dois estados, conforme a sua vontade. Na perspectiva xamânica o conceito de fantasia não existe, pois tudo na natureza tem seu lado oculto, uma realidade incomum. Todas as coisas são dotadas de espírito: a doença, a alegria, a tristeza, a prosperidade, as pedras, as plantas, o fogo, a água, o ar, etc. O xamã está sempre acompanhado de seu espírito guardião e espíritos auxiliares. Tem o dom da cura, e supercapacidades, como clarividência, visão do passado, presente e futuro. Se for necessário usar droga num ritual de cura, é o xamã quem a toma, mais raramente o xamã e o paciente, pois é usada para atingir um estado elevado de consciência e isto é de responsabilidade do xamã. A dança é utilizada não somente para entrar em estados xamânicos de consciência – transe, mas também para revitalização e harmonização dos chacras, canalização da energia sexual, despertar da kundaline, etc. O tambor e o chocalho são instrumentos que facilitam esse processo, assim como o hamus, utilizado também para atrair espíritos – da beleza, da alegria, da prosperidade, da cura, etc. Na Sibéria, os xamãs referem-se aos seus tambores como cavalos ou canoas, que os transportam ao mundo profundo ou ao mundo superior.
A conexão entre o mundo dos humanos e o mundo dos animais é essencial, pois através do seu animal de poder o xamã faz conexão com o poder do mundo animal.
O xamanismo é uma atividade parcial. O mestre xamã participa ativamente nas questões econômicas, sociais e políticas da comunidade. Um xamã poderoso atua com sucesso nas duas realidades diferentes, a xamânica e a comum.
No Xamanismo a manutenção do poder pessoal é fundamental para o bem-estar. Não há distinção entre ajudar a si próprio e ajudar aos outros. Ajudar aos outros além de ser uma fonte de júbilo proporciona o aumento de poder. O Xamanismo vai além de uma transcendência egoística da realidade comum, pois tem como propósito o auxílio à humanidade.
Ao praticar o Xamanismo, você encontrará o seu caminho, sozinho. A citação do livro ´Saber do Xamã Siberiano’ ilustra bem esse conceito:
“A Felicidade independe de qualquer caminho, até mesmo do mais atraente. Ela encontra-se na liberdade sem qualquer obrigação de percorrer uma estrada após entender que todas elas nada mais são que um simples sonho”.
O Xamanismo Siberiano tem uma forma muito especial de compreender a criação do Universo, trazendo a concepção de quatro reinos. Eis a sua abordagem (livro ´Saber do Xamã Siberiano’).

COSMOLOGIA

Os Quatro Reinos

No início era apenas o oceano primordial da inexistência, Díi, o Deus principal. Resolvendo criar o universo, transformou-se em cisne e botou o ovo de ouro – seu filho, Svarog, Deus do nosso universo conhecido. (1) Svarog dividiu o ovo em duas partes, (2) em cima, (3) em baixo – o céu e o inferno. Da clara, (4) no meio, fez-se a terra. A terra tornou-se sua esposa Lada e juntos deram a luz a todos os deuses, criando assim os 4 reinos:

1. O Reino de Tengri – A eternidade
2. O Reino de Érlik – O passado
3. O Reino de Ulguém – O Futuro
4. O Reino de Umai – O Presente

Todo esse politeísmo não é nada mais do que a expressão de um único e verdadeiro Deus, Díi. Em miniatura, cada ser humano constitui o universo contido no ovo de Svarog, sendo uma face, um aspecto, uma expressão do único Deus, é Díi, o cisne, o espírito puro, o não existir.

O Arco de Tengri

De seu arco, Tengri dispara a flecha que penetra Umai, e na terra nasce um novo ser. A Flecha é um ser animado, composto de 5 partes – almas:
1. Kut (alce – energia vital – reino de Umai);
2. Sur (corpo – alma humana – Terra ), Corpo;
3. Tios (peixe – alma do reino de Érlik), Pensamentos;
4. Bos (pássaro – alma do reino de Ulguém), Sentimentos, Inteligência;
5. Ayi (olho onividente – alma do reino de Tengri).

Com a chegada da morte, a flecha se quebra e as almas partem, cada uma em direção ao seu criador.
A finalidade máxima do ser humano é despertar a alma Ayi, cuja função é observar, contemplar o trabalho da inteligência, do sentimento e do corpo. Para isso, precisa ampliar sua alma Kut, livrar-se dos pensamentos fracos da alma Tios, desenvolver sua alma Bos, direcionando-a para o caminho espiritual. Para ser um xamã, o ser humano precisa “desenvolver também a alma Sur e estar consciente de não apenas viver no mundo físico, mas, sobretudo, no universo do devaneio, das imagens, das alucinações”... até porque, “é no mundo dos sonhos que habita a alma Sur”.
Em seu livro ‘Círculo de Xamãs’ (2002), Olga Kharitidi faz um emocionante depoimento sobre as transformações ocorridas em sua via profissional após as suas vivências xamânicas em Altay:

“Apesar da recuperação dramática de minha paciente, algum tempo depois as minhas experiências em Altay ainda criavam uma considerável confusão profissional para mim. Entre outras coisas, eu agora achava difícil não poder traçar uma linha distinta entre a teórica irrealidade da psicose e a normalidade supostamente firme da sanidade. Então com a ajuda do ato de escrever e através da descoberta do meu poder de cura interior, a minha confusão foi substituída por uma compreensão mais profunda da natureza humana, que me ajudou a me tornar uma médica mais confiante e eficiente.
Comecei a estudar rituais nativos e cerimônias de cura, e a aplicá-los na minha prática junto com o tratamento convencional, criando novas formas de terapia. A crença siberiana na animação total – que tudo que existe está vivo, possui seu próprio espírito, e pode ser contatado – se tornou uma das minhas ferramentas psiquiátricas mais úteis. Descobri o que os xamãs querem dizer quando afirmam que cada doença possui o seu próprio espírito.” (p. 194)

Abordando ainda sobre o processo de cura, Harner (2002) nos diz que:

“O recente acúmulo de dados experimentais que comprovam que os profissionais iogues e de casos regenerativos podem manipular processos físicos básicos, antes considerados pela medicina ocidental incontroláveis pela mente, é apenas uma parte do novo reconhecimento da importância que a prática espiritual e mental têm para a saúde. Particularmente estimulante e implicitamente a favor da abordagem xamânica da saúde e da cura é a nova evidência médica de que, em estado alterado de consciência, a mente pode pôr em ação o sistema imunológico do corpo, através do hipotálamo. É possível que, com o tempo, a ciência venha a descobrir que a mente inconsciente da pessoa que é tratada pelo xamã, sob a influência do som lento, está sendo “programada” pelo ritual a ativar o sistema imunológico do corpo contra a doença.
O campo da medicina holística que vai desabrochando cada vez mais, mostra uma extraordinária quantidade de experimentos que se dirigem à reinvenção de várias técnicas há muito praticadas pelo xamanismo, tais como, a vidência, o estado alterado de consciência, aspectos da psicanálise, a hipnoterapia, a meditação, a atitude positiva, a redução do esforço e a expressão mental e emocional da vontade para obtenção da saúde e da cura. Em certo sentido, o xamanismo está sendo reinventado no Ocidente, precisamente porque está sendo necessário.”


10. Reflexões Finais ou Iniciais

Entendo que o conhecimento xamânico é um conhecimento contemporâneo, pois como L. Strauss, acredito que a ciência ocidental não explica tudo: há a arte, a poesia e os mitos.
O xamã reencanta a ciência quando faz ciência trabalhando com uma percepção ampliada da realidade.
Estou buscando essa forma de compreender o Universo. Não consegui ainda integrar na minha subjetividade tudo que vivenciei através do conhecimento xamânico.
Autores renomados fundamentam minhas experiências: Jung, L. Strauss, Morin e tantos outros. Meu cotidiano respalda o que me dizem os xamãs. A minha prática clínica buscando a cura espiritual, traz-me uma nova forma de fazer terapia.
Como integrar tudo isso numa ciência que insiste num ideal inalcançável de restrita objetividade? O que fazer?
Talvez a resposta esteja na simplicidade e na sabedoria de Francisco de Assis:

Doce é sentir em meu coração
Humildemente vai nascendo o amor
Doce é saber, não estou sozinha
Sou uma parte de uma imensa vida
Que generosa reluz em torno a mim
Imenso Dom do teu amor sem fim
O céu nos deste e as estrelas claras
Nosso irmão sol, nossa irmã a lua
Nossa mãe terra com frutos, campos, flores
O fogo e o vento, o ar e a água pura
Fonte de vida de tua criatura
Imenso Dom do teu amor sem fim
Imenso Dom do teu amor sem fim!!!


Entender que somos todos Uno, que “há muito mais coisas entre o céu e a terra do que possa imaginar nossa vã filosofia”, ou ainda, “que o essencial é invisível aos olhos” não é uma tarefa fácil.
Lembrei-me de que certa vez estava realizando um mergulho com cilindro e observei que a roupa de meu companheiro de mergulho tinha uma faixa vermelha. À medida que descíamos, o vermelho da faixa desapareceu e se tornou cinza. No momento da subida, a faixa voltou a ficar vermelha. Onde está a verdadeira realidade, objetiva e observável? Numa outra ocasião, estava numa praia distante dos centros urbanos e houve uma longa interrupção no fornecimento de energia elétrica. O céu ficou maravilhoso, completamente cheio de estrelas que me hipnotizavam e capturavam o meu olhar e a minha alma. Depois de certo tempo, o fornecimento da ‘luz’ foi normalizado e não via mais as estrelas, mas elas ainda estavam lá. Mais uma vez, a pergunta, ‘o que é a realidade?’.
Às vezes as pessoas questionam se isso tudo que os xamãs falam e fazem não é balela, enganação, uma tentativa de ganhar dinheiro explorando a ignorância das pessoas, ou ainda, uma magia negra, onde buscam apenas poder. Talvez, a partir do paradigma que predomina na sociedade ocidental, esses argumentos encontrassem alguma ressonância. Porém, não é assim que sinto intuitivamente dentro do meu coração, nem foi dessa forma que percebi nos momentos de minhas experiências com os xamãs. Além disso, minha vida não é mais a mesma, a minha compreensão de mundo não é mais a mesma, eu não sou mais a mesma.

Namastê!


Referências Bibliográficas

Centro Esotérico Internacional Altay de Ouro (2002). Livro do Saber do Xamã Siberiano.
Harner, Michael (1995). O Caminho do Xamã: um guia de poder e cura. – São Paulo: Cultrix
Kharitidi, Olga (2001). Círculo de Xamãs: uma iniciação aos segredos da antiga sabedoria siberiana. – Rio de Janeiro: Rocco
Gramacho, Derval e Gramacho, Victória (2002). Magia Xamânica: roda de cura. – São Paulo: Madras
Walsh, Roger N. (1993). O Espírito do Xamanismo: uma visão contemporânea desta tradição milenar. – São Paulo: Saraiva




25.4.11

Encontrando o xamanismo siberiano - parte 5

Fizemos vários trabalhos de resgate do Sagrado do Feminino. O mais significativo foi o de Magia de Cleópatra em que aprendemos a fazer maquiagem, como uma atividade meditativa, tornando-nos verdadeiras Deusas. Sirena conduziu esse encontro, exclusivo para as mulheres.

Aprendemos também a elevar o nosso nível de energia com movimentos pélvicos semelhantes ao símbolo de infinito (o nosso famoso oitinho). No final dessa vivência estávamos todos com muiiiiiiiiiiiiito calor. Houve ensinamentos para rituais de rejuvenescimento com massagens energéticas na face.
Todos os dias fazíamos meditação dinâmica, onde dançávamos músicas específicas para o trabalho de elevação de energia pelos sete chakras. Existe um cd xamânico com músicas para essa atividade. No Brasil ele é vendido por R$ 50,00; na Sibéria, por U$ 50.00. Os xamãs pregam um mundo harmonioso, sem divisão de países. Imagine o arrependimento de quem deixou para comprar o cd lá!!
Fiz uma consulta com o grande xamã que reconheci no ônibus (chamava-o carinhossamente de ‘meu velhinho’, devido aos seus lindos cabelos brancos) e me organizei para um ritual de iniciação em Cura Espiritual. Foi um ritual muito bonito, onde fui vinculada à egrégora de Shambala. Recebi uma pedra azul para utilizar nos rituais que conduziria depois.
Uma das questões que levantei no encontro com o xamã foi a minha solidão no trabalho espiritual e os compromissos com minha família que limitariam as minhas possibilidades de atuação. Na saída havia algumas peças, talismãs, para venda e comprei um colar e uma pulseira que tinha três medalhas penduradas nela, onde cada medalha representava uma área da minha vida: família, prosperidade e espiritualidade. Quando subi para o salão de encontros a medalhinha da família caiu; recoloquei-a no lugar; logo depois ela caiu novamente. Uma xamã percebeu o que estava acontecendo e me aconselhou a não colocar a medalha no lugar até que ela tivesse uma resposta dos espíritos através da meditação. Alguns dias depois ela me procurou e me disse que não poderia colocar a medalha na pulseira, pois os amuletos atraem a energia de ataque ao que estão protegendo e que eu precisaria re-organizar a minha relação com minha família e realizar a minha ‘missão’. Orientou-me a enterrar a medalha em Altay ou levá-la numa caixinha para o Brasil e colocá-la num altar em minha casa. Escolhi a segunda opção. Há pouco tempo outra medalhinha caiu. Qual o significado disso?
Só conseguimos falar com nossas famílias no dia da saída de Altay. Foi com muito amor e emoção que consegui falar com meu marido. Na Sibéria, fiz essa oração por meus amores:


Oração pelos Meus Amores!

Namastê!
O Deus que está em mim, saúda o Deus que está em você!
Que a Energia amorosa do Universo ilumine o seu caminho!
Que a Energia Divina flua através de você!
Que você manifeste todos os seus dons de Divindade, encontrando, assim o seu Coração!
Que a abundância cósmica seja uma constante no seu caminhar, expressando-se através dos espíritos do Amor, da Saúde, da Paz, da Família, do Trabalho, da Alegria, da Criatividade, do Dinheiro, da Amizade, da Solidariedade, da Aceitação e da Coragem!
Que o pulsar do seu coração seja um canal para que Deus ame através de você todo o mundo e realize todos os seus desejos!
Namastê!


Levamos as malas para o ônibus e um amigo nosso ficou surpreso como ele não conseguiu tirar do chão uma sacola que um dos xamãs carregou com a maior tranqüilidade.
Saímos de Altay, rumo a Novsimbinsk, para o encontro com o Mestre Bogomudr Altay Khan. Antes da partida, uma última olhada, uma saudade e a certeza da magia de Altay.



Altay Sagrado

O cume das montanhas,
o canto dos pássaros,
o frio do vento,
a leveza da neve,
o fluxo do rio,
a solidez das rochas,
a segurança das árvores.
Tudo isso se manifestando
através dos espíritos de Altay.
Nessa manifestação, o encontro com o Divino.
Tantos medos, tanta insegurança, tantos desafios.
Mas Deus, com o seu Amor maior,
envia-nos o espírito da Coragem e, de repente,
tudo isso se torna uma coisa só.
Somos Uno!
Aum!


A viagem de trem foi muito mais tranqüila, pois tomamos um chá que nos ajudou a dormir.
Ficamos num local muito agradável e passamos o dia inteiro em preparação para o grande encontro.
Tivemos um encontro com lindas mulheres russas, as Sacerdotisas, que estão sempre com o Mestre nos locais em que vive, pois ele fica escondido nas montanhas. Elas falaram para cada um dos participantes do grupo sobre o que viam sobre nossa alma, em encontros individuais. Momento muito emocionante, mas que não registrei direito, na forma racional. Quando finalmente o Mestre chegou e passou na minha frente, dando-me um amuleto, levantei o meu rosto para olhá-lo e, simplesmente, não sei explicar o porquê, não consegui ver sua face, pois uma luz forte refletiu de seu rosto e me cegou por instantes. Acompanhei seu percurso até a saída da sala e seu gorro russo ia caindo quando passou pela porta e ele o segurou. Por isso, sei que tem mãos. Fiquei muito impressionada e quando pudemos falar novamente perguntei para as pessoas que estavam no grupo, umas trinta, como era o rosto dele. Ninguém havia conseguido ver!!!! Até hoje não compreendo o que aconteceu.
Depois desse encontro fomos dormir e iniciamos, ainda de madrugada, a nossa viagem de volta para o Brasil. Quando estávamos no aeroporto de Novsimbinsk, um primo de uma companheira nossa, de Recife, ligou para o celular dela e não acreditava quando ela dizia que estava na Sibéria. Nesse momento fui fotografá-la ao telefone e logo que o flash estourou um policial chegou avisando que era proibido tirar fotos no aeroporto.
Em Moscou conseguimos sair do aeroporto e conhecermos a Praça Vermelha. Que emoção!!! Tudo é lindíssimo e muito luxuoso. Bem diferente da pobreza da Sibéria.
Fomos almoçar no shopping center, onde tudo era de mármore e granito e as lojas eram de grifes famosas. Aproveitamos o momento e a irreverência e almoçamos numa MacDonalds, em plena Rússia.
Só podemos expor os amuletos quando chegamos à Suíça.
Aproveitamos a parada no aeroporto e fizemos nossa higiene pessoal.
Ao pousarmos no Brasil, senti uma alegria imensa: sol, cores, liberdade. Comecei a cantar: “Moro num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza!”.
Afinal, o mantra dos brasileiros, que encantava a todos os outros do grupo era “Alegria!!!”.

24.4.11

Encontrando o xamanismo siberiano - parte 4

27/03/2003 – 18:30h – Recife. 28/03/2004 – 0:30h – na Rússia.


Saímos de Moscou rumo à região da Sibéria, com temperatura média de -33 graus centígrados. Não consigo imaginar que frio é esse! Na chegada a Moscou me emocionei quando me lembrei de seus heróis e das lutas por um mundo mais justo. O clima era tenso porque tudo é proibido. Fiquei cinza, segundo Lígia, quando chegamos e vi uma mulher com roupas militares checando-nos numa fila. Gatilho de memórias passadas? Tentarei trabalhar isso em Roger (Roger Woolger, Terapia Regressiva Integral).
Esperamos muito tempo no aeroporto. Várias russas nos levaram roupas, botas e tudo o mais. Tudo espalhado pelo chão e nós a escolhermos o que cabia em cada um. Parecia uma feira da sulanca, comum no interior do nordeste brasileiro. Só podíamos ir ao banheiro em grupo e não podíamos falar a palavra ‘xamã’. Se nos perguntassem o que estávamos fazendo na Rússia, tínhamos orientação para responder que éramos turistas.
Troquei 20 dólares por 506 rublos. Só o jantar foram 220 rublos. E olhe que pedi café e um sanduíche de queijo aberto (veio uma banda de pão de caixa com uma fatia de queijo em cima). Como não entendi se aquele já era todo o pedido e gesticulei para o garçom perguntando se essa era a comida; ele entendeu que queria mais sanduíches e quase desmaiei com o preço. Resolvi manter as mãos embaixo da mesa e não provocar mais gastos extras.
Até o aeroporto de Moscou viajamos com o xamã russo Mukhomor e com a tradutora Irina. Já na Rússia no encontramos com Soledad (xamã chilena) e Sirena (xamã russa) que estavam com um grupo de chilenas. Como sempre, elas estavam lindas e simpáticas.
Ainda não fui ao banheiro, nem fiz higiene pessoal. Quando penso no chuveiro quente de minha casa.
Mukhomor tem sido maravilhoso, sempre muito cuidadoso, um verdadeiro ‘pai’. Para mim, uma experiência nova, já que estou mais acostumada a cuidar.
Estou vestida com duas meias-calça, uma segunda pele e duas calças, além de uma meia de lã. Arrumei uma bota de lã; na parte de cima, segunda pele, blusa de lã e um casaco de pele e couro. Meu cabelo já está oleoso e coloquei um laço que foi de minha mãe.
Estou com saudades de casa... Sinto-me numa Torre de Babel, com pessoas falando línguas diferentes e com visões de mundo tão singulares. Esse é mais um ponto para reforçar a minha aprendizagem de que tudo é ilusão.
Estou cansada e com a sensação de entrega semelhante a que tinha quando ia para a sala de parto ter meus filhos. Sinto como os amo e como amo muito meu marido.
Meus pés pesam, as calças apertam as pernas. Mais uma vez, refeições sendo servidas a bordo. Não sei mais se é almoço, jantar, as percepções de meu corpo estão se diluindo... Segundo Mukhomor, estamos indo em direção ao sol.
[...]
Chegamos a Novsimbisk e estava muito frio. O que chamam de aeroporto é um galpão, sem aquecimento, da época do Regime. Tudo é muito frio e de uma cor só, onde predomina a cor cinza; clima pesado; pessoas carrancudas. Tive que ir ao banheiro e quase tive um ataque histérico quando descobri que o vaso sanitário era apenas um buraco no chão – isso no aeroporto – e eu teria que fazer xixi aí, estando com um monte de roupas e, ainda por cima, menstruada. Descompensei e comecei a rir sem parar. Depois tivemos que arrastar nossas malas até um ônibus (antigo); os carros são velhos, as condições de moradia muito precárias. Fomos lanchar e só comi crepe com geléia. Peguei na neve pela primeira vez na vida e fiquei muito emocionada.
Fiquei conversando com um russo, Pavio, que não falava inglês. Imagine a mímica!!!! Vi bebês na rua tão encapotados e duros que pareciam bonecos. Crianças brincando de bolas de neve e trenós. Nos locais chiques, as mulheres andam arrumadíssimas e se pintam desde cedo, logo de manhã.
Depois do lanche fomos para um parque, onde havia um ‘hotel’, e aí eu paguei todos os meus pecados, pois tive que carregar a bolsa de mão, a mala e tudo o mais, por uma boa distância, numa trilha cheia de pedras e de neve. Segundo Mukhomor, ‘mala quadrada, cabeça quadrada’. A essa altura do campeonato a minha mala já estava sem rodinhas, arrancadas pelas dificuldades da estrada. Pra que tanta coisa, se não tomo banho há dias?!!! Meu cabelo parece uma lata de óleo.
Descansamos um pouco nesse lugar, que tinha uma energia muita pesada, como se tivesse sido um presídio político ou hospício, na época do Regime, afinal estávamos na Sibéria. Segundo Sirena, um local com muitos espíritos. O quarto era bem simples, com duas camas e uma pia. Tentei tirar a colcha, mas a dureza dos lençóis era pior. Realmente, eu, nesse momento, já estava desapegada de tudo e não sabia mais quem eu era. Só fazia rir, junto com Antonieta.
Nesse momento eu aprendi que mais nunca, em todas as minhas vidas, eu iria fazer uma mala daquele tamanho. A exaustão foi enorme. Depois tivemos que trazer as malas de volta para o ônibus e soubemos que o ônibus havia quebrado e que iria demorar, pois "os espíritos da Rússia são muito brincalhões e gostam de imprevistos", segundo Mukhomor. Começou a nevar. Parei, larguei minhas malas no chão e pensei: “Daqui eu não saio mais para lugar nenhum e vou escolher a melhor posição para morrer congelada”.
Para nossa salvação, apareceu um senhor com os olhos mais doces e o sorriso mais iluminado que já vi e nos disse: “Eu sou o Espírito da Sibéria. Estou feliz por vocês estarem aqui e lhes ofereço o meu melhor espetáculo”. Fiquei pensando que tudo depende da forma como se vê, pois eu estava entendendo a neve como uma tragédia e o Espírito da Sibéria entendia a mesma neve como um presente de boas-vindas aos visitantes!!! Depois ele nos levou para fazer exercícios, numa vivência de olhos fechados no meio da neve e da floresta, enquanto outros xamãs ficaram com nossas malas, esperando pelo ônibus.
Quando o vi pela primeira vez no ônibus o reconheci de imediato e pensei que fosse algum jornalista famoso. Perguntei depois para Soledad o nome dele e ela me disse que ele era um poderoso xamã de cura espiritual. Fiquei realmente impressionada. Depois, já durante o curso, eu sentia a chegada dele na sala, ainda que eu estivesse de costas. Chocante!!!!
Finalmente fomos para a estação de trem e fiquei, literalmente, apavorada. A estação é a céu aberto. Era noite e tínhamos hora para entrar no trem. O caminho era longo, tinha escadas e eu tinha que levar todas as malas; ainda por cima estava muito frio. Quem me salvou foi o meu amigo russo que levou minha malona. Ficamos divididos em dois grupos: vagões 5 e 8. Quando subi no vagão 8 havia uma fila no corredor, os russos gritando e nós, brasileiros, não sabíamos o que fazer, qual o nosso leito e tudo mais. O alfabeto russo é diferente e não sabíamos ler nada do que estava escrito no bilhete, nem o nosso nome!!!! Sirena chegou e leu para todos nós os números das cabines e dos leitos. Um russo gritava com Socorro (uma integrante do grupo, vinda da Paraíba), dizendo-lhe que aquele leito não era o dela; na agonia ela perdeu o passaporte; ninguém passava. Pauluxo (um integrante do grupo, vindo de São Paulo) com um monte de malas no corredor, Socorro desesperada, os russos gritando, eu com minhas malas sem saber o que fazer. Nesse momento o pânico foi tão grande que eu experienciei o nada; literalmente, fiquei paralisada. Depois de Sirena ler nossos bilhetes, acomodamo-nos nos leitos. Fiquei com Pauluxo e mais um casal de russos, já idosos, que colocaram seus pijamas para dormir. Estava muito tensa e, apesar do calor, só tirei o casacão grande. Mukhomor nos serviu um café quente. Não forrei a cama e dormi de botas e tudo. Acho que essa situação engatilhou alguma outra de vidas passadas. Não dormi bem. Às 5:30h nos acordaram para descermos. Levantei logo porque estava com muito medo de me perder do grupo e fiquei no corredor cuidando das malas, pois o horário estava errado. Vi pequenos vilarejos muito pobres, de apenas umas seis casas, com pessoas saindo para trabalhar e usando o trem como transporte.
Vi o sol nascer nas cidadezinhas e me apaixonei ainda mais pela Rússia. Adormeci sentada e Thaís (uma xamã brasileira) foi me chamar para deitar em seu leito. Adormeci até que chegamos a Barnau, região de Altay, onde um ônibus nos esperava e nos levou direto para o lugar sagrado, onde ficaríamos durante todo o nosso encontro. 
Nesse ‘hotel’, as instalações são ótimas. Ana e eu ficamos num quarto, deixando em outro, Lígia, Salete e Antonieta. Arrumamos nossas coisas e depois fomos conhecer Perun, um xamã maravilhoso.
A chegada ao hotel em Altay trouxe-me um alívio enorme, pois eu estava exausta e a possibilidade de um banho quente e cama confortável me sugeria o paraíso na Terra. Dessa vez as escadas e as malas não precisaram de uma batalha maior, pois havia pessoas para levá-las para nossos quartos. Menstruada, há quatro dias sem tomar banho, vestindo várias peças de roupa, percebi que a viagem tinha me ajudado a me desapegar dos meus hábitos, do meu mundinho ‘real’.
Agradeci a Mukhomor pelos cuidados na viagem e ele me respondeu que estava apenas sendo um canal do amor do Mestre.
Depois das acomodações (eles não usam chuveiro, mas uma ducha numa enorme banheira), fomos para nossa primeira prática, num salão aquecido do terceiro andar.
Sirena nos orientou a descermos com material para banho, para tomarmos uma sauna. Foi um ritual maravilhoso. Primeiro, ficamos num salão onde deixamos nossas roupas, fomos para uma ducha e tomamos, finalmente, banho; em seguida, ficamos numa sauna seca e, por último, caímos numa piscina gelada. Os xamãs usam muito o contraste do quente-frio para harmonização, pois os associam aos conceitos de yin-yang (lembrei-me da sabedoria da minha mãe).
Após esse ritual, trocamos de roupa e fomos para o salão aquecido, onde tivemos a prática de nossa primeira refeição em conjunto. Plásticos no chão e todos em volta para compartilharmos não apenas a comida, mas a energia do alimento. O cardápio foi arroz, saladas, frutas, pão café, chá, água e biscoitos. Aprendemos que os xamãs usam o arroz como alimento para promover uma limpeza energética no corpo. Depois da prática, fomos nos deitar e desmaiamos de cansadas na cama.
Em todas as refeições havia a intenção de compartilharmos o Divino. Começávamos com um Namastê e agradecíamos pelo alimento. A alimentação é feita com muita consciência, onde saboreamos cada alimento, sentindo-o pelo gosto, pelo cheiro, pela textura, pela beleza. As refeições são feitas em silêncio.
No outro dia acordamos às 8h e colocamos todas as nossas roupas de frio para irmos fazer exercícios, nossa prática matinal, ao ar livre. Corremos e fizemos vários exercícios que sempre tinham um objetivo ‘espiritual’ - como o desenvolvimento da nossa consciência – e nos aqueciam, obrigando-nos a ir tirando todos os casacos. A paisagem é exuberante, com neve, árvores brancas, pinheiros de Natal e muito cinza-prateado nos galhos secos das árvores. Todos os dias passávamos por esse ritual, As práticas variavam com bolas de neve, bonecos de neve, esqui, subidas às altas montanhas, descer montanhas de ‘bunda’ e tantas outras. Tudo é celebrado com muita alegria.
A princípio, tentei registrar tudo dia-a-dia. Não consegui, pois não me sentia mais tão ancorada na Terra e o meu racional não predominava tanto. Então, descreverei a partir de agora, situações vividas pelo nosso grupo, de acordo com minhas recordações e sentimentos pessoais. Da mesma forma, não conseguia levar a máquina fotográfica para as vivências, pois a energia do que estava vivendo não combinava com o registro frio de uma fotografia. Por isso, as fotos que se seguirão não estão na ordem cronológica do que vivemos em Altay, mas acompanharão descrições de minhas recordações.
Ainda no aeroporto de Moscou o grupo de brasileiros se encontrou com o grupo de chilenas. Entre elas estava uma senhora que estava tendo o seu primeiro contato com o xamanismo ali, pois havia resolvido vir para a Sibéria porque seu irmão estava com câncer, diagnosticado com pouco tempo de vida, e havia sido curado num ritual xamânico, conduzido por Mukhomor, deixando todos os médicos completamente estupefatos. Só encontramos o grupo de europeus em Altay.
Quando estava no avião, depois de sair de Moscou, sentei-me com um companheiro brasileiro, advogado cearense, que, quando me viu de luvas e cachecol branco de bolinhas pretas, começou a rir descontroladamente e me chamou de ‘101 dálmatas’.
Eu também comecei a rir porque estava igualzinha a um cachorrinho dálmata. Estávamos todos muito entrosados e alegres, ansiosos pelo que nos esperava em Altay. Os russos não falam nada de inglês e a comunicação com eles fica muito difícil. Tivemos dificuldade com nossos pedidos de alimentação no avião.
Fizemos muitas caminhadas na neve. Como sou muita pequena, a neve chegava à altura das minhas coxas, quase me sugando. Uma neve macia, que me envolvia com carinho.
Fizemos uma visita às montanhas sagradas de Altay. O ponto era muito alto e tivemos que pegar um teleférico. Não tenho como descrever a beleza do lugar. Fizemos meditação, visão de futuro, ritual de aiame (encontro com sua ‘alma gêmea’). Aproveitei para pegar pinhas secas que estavam no chão e que hoje estão na minha sala.
Quando estávamos lá nas montanhas, quase que em transe, chegou um grupo de turistas com barulhos, alvoroços, máquinas fotográficas e uma guia a contar a história do lugar. Percebi, chocada, que estávamos no mesmo espaço físico, mas víamos realidades completamente diferentes. Fiquei triste quando percebi que aquele grupo de turistas espelhava o meu comportamento no mundo ‘real’.
Num determinado momento de nossa caminhada nas montanhas, um grupo de russos começou a nos seguir. Não sei se eram policiais, mas estavam com gravadores e nos observavam o tempo todo. Nessa hora alguns xamãs sumiram com os russos que estavam no nosso grupo. Apesar de haver oficialmente liberdade religiosa na Rússia há muita corrupção na polícia e já ocorreu a prisão de alguns membros dos grupos que visitavam Altay com os xamãs para averiguação e esse grupo só foi liberado depois do pagamento de uma alta quantia em dinheiro. Podemos ouvir o canto dos pássaros, a música do vento; andamos de olhos fechados através das árvores dos bosques. Realmente, aqui, nas montanhas sagradas de Altay, sentimos o Espírito da Sibéria.
Fazíamos, à noite, muitas encenações de teatro. Também cantávamos e dançávamos. Tudo com muita alegria e festa. Ficava pensando nas festas aqui no nosso mundinho que sempre têm bebida e comida. Não havia bebida alcoólica, nem Coca-Cola, e a comida era muito leve, no momento do nosso jantar. Eu só comia meia fatia de pão com requeijão e meio copo de café; esse cardápio era repetido pela manhã e à noite. Quando percebi isso fiquei assustada pensando nos programas de televisão que via e que falavam sobre a alimentação via energia e que eu olhava com desdém. Agora eu estava vivenciando isso tudo e era verdade.
Numa noite fizemos um teatro com contos de fadas e tudo foi muito mágico e lindo. Percebi que os contos de fadas realmente nos falam numa linguagem universal, pois apesar das diferenças de língua, todos nós estávamos conectados com a energia de cada história.
Quando fomos esquiar senti algo muito estranho, pois percebi o cenário como algo que me era muito familiar. Nunca havia esquiado antes, mas os movimentos dos esquis e do corpo vieram naturalmente. Estranho, mas o que era comum nessa viagem?!!!
Quando chegou o dia 01 de abril, o xamã Perun nos perguntou se sabíamos que dia era aquele. Os brasileiros logo responderam que era o nosso Dia da Mentira. Mas era o dia do início da Primavera. Como por mágica, os pássaros chegaram, os rios começaram a degelar, o verde apareceu. Mukhomor comentou que nós brasileiros temos tanta vida na nossa natureza que não sabemos o que é a morte e, por isso, não compreendemos e valorizamos a vida.
Nesse dia, à noite, tivemos nossa noite de gala e fomos orientados a vestir roupas bonitas, com adereços, lenços, maquiagem e tudo o mais. Fizemos teatro para expressar o nosso primeiro contato com o xamanismo. Nosso grupo relatou o meu encontro com o xamanismo e foi muito divertido.
Depois de todos os grupos se apresentarem, os xamãs trouxeram muitas tortas cheias de cremes e começaram uma brincadeira de passar torta na cara, desmanchando assim toda nossa imagem de elegância. Eles queriam que refletíssemos a respeito do apego e da nossa ilusão quanto aos papéis que desempenhamos na nossa vida. Depois do mela-mela, fomo tomar sauna. Foi uma experiência de liberdade. Apenas nessa noite vesti o casaco de peles de minha mãe, enorme e pesado, que levei durante toda a viagem. Mais uma lição.
Sempre começávamos nosso encontros com a saudação Namastê!, que significa: o Deus que está em mim, saúda o Deus que está em você. Lindo!! Depois da saudação recitávamos o mantra da egrégora de Shambala:

NAMO SOTIDANANDA ANA PARAM ANANDA SWASTI

Aprendemos, também, essa belíssima oração:

Oh! Imensa Força Divina, neste exato instante, eu vos peço:
Que me abra o coração e ilumine a minha mente, para que eu possa compreender esta grande verdade que é a minha vida, e eu vos peço isso, não só por mim, mas para a vossa glória e pelo bem de toda a humanidade.
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, Amém.
Aummmmmm...